Cristina Ribeiro - Prosa & Verso
"Eu sei que canto e a canção é tudo" - Cecília Meireles
Textos
A trajetória ou via crucis milenar feminina
          Eu tinha uns 7 anos quando minha mãe me levou a uma casa para visitar uma mulher acamada. Quando chegamos, notei que minha mãe ficou logo de cochichos com uma senhora que deveria ser a mãe dela. É claro que tinha alguma coisa errada. A moça estava cheia de hematomas, entregue ao colchão. Mas, sem saber de nada, apenas guiada pela sensibilidade, achei de rodear a cama da doentinha, pra lá e pra cá, pensando: "- Mas o amor é isso? É  isso que é o amor?

          E acabou a visita sem que eu recebesse um mínimo de explicação do fato ou resposta para as minhas indagações.

          Lá pelos doze anos, outro acontecimento desanimador invadiu a minha casa. Era a vizinha algemada e o seu marido no resgate. Parecia um filme do tipo "De volta para a caverna". Só me lembro que ninguém fez nada nem poderia. Um marido possesso é capaz de acabar com a vida da esposa e de possíveis interventores. Isso aconteceu com  Teresa. As primeiras facadas começaram em casa e terminaram no poste da esquina onde uma galera saiu voando,  pra todo lado, diante daquele monstro descompensado com uma faca pingando na mão.

          E a coisa não parou por aí, porque na conclusão do ensino fundamental não teve morte de ninguém, mas teve a morte de futuros. Só ouvia as meninas dizendo que seus noivos não queriam que elas continuassem os estudos. Isso foi na década de 70 e podia. Como também foi possível o confisco generalizado feminino em toda a história da humanidade.

          Eu nunca tive marido, nunca apanhei de nenhum homem. Tive um pai maravilhoso que amava e respeitava minha mãe. Tudo o que vi desse assunto foi da porta pra fora.

          A questão estrutural da mulher no mundo é muito complicada. É de uma gravidade tão absurda que fica difícil, quase impossível, pensar ou sugerir soluções. É um labirinto onde não se consegue ver a saída para a solução do problema. Nem dá para pensar em Educação. É só pesquisar pra ver quantos médicos, advogados, escritores e até juízes já mandaram, a pauladas, suas caras-metades pro andar de cima da forma mais hedionda possível.

          Pode ser que um projeto sério que desenvolva um programa educativo, nessa direção, chegue a um final satisfatório ao longo do tempo.

          Até lá,  a quantos órfãos teremos que dar consolo... a quantos pais... E quantos vestidos, sem o frescor do vento e calor físico de sinuosos corpos, irão mofar no armário ou serão passados para outros corpos?
Cristina Ribeiro R
Enviado por Cristina Ribeiro R em 02/02/2025
Alterado em 03/02/2025