Não deveria, mas costuma ser a paixão "o problema". Descarada, Cruella, a  mais dissimulada das Capitus se aquieta na gente, fingindo não estar em casa. Mas experimenta ouvir a voz da pessoa amada naquele podcast... tenta ver no Google, mesmo que seja uma foto apenas da figura que já nasceu ungida no leite condensado... A tal senhora imponente, metida em um manto imantado, reaparece renovada, presente. E pode se atracar com um mastro - uma coluna sólida também serve -, porque ela vai te arrastar, te instigar e desestruturar tua mente. Ela vai transformar tua alma numa bolinha de papel.

          Ver essa impostora de corações sem cuidado, é como ver um super-herói, porque não é coisa que fácil se decifre. Não se sabe se é uma fada, uma bruxa... talvez uma ameba. Pela forma como se agiganta, pode ser uma solitária que vai te ocupar todo o avesso.

          Aí, você dana a cantar, ri até pras moscas; do nada, chora, se ancora, descolora e decora canções, poemas... também adoece daquilo que chamam de bipolaridade; outra hora, tomada por uma louca euforia, vai saltitante por uma bela estrada transluzente com a firme intenção de tocar a pessoa nas entranhas, mas não pode... aí não dorme, passa a noite toda com aquele ser completamente nú do seu lado, aquele vulto azul entre os lençóis, e todos os seus beijos bloqueados na boca, sufocando as vias respiratórias... Você conclui que não dá, não pode ser, tudo pulsa, mas não há o que fazer. Então, sai da cama com cara de miúra e dá de cara com a realidade estampada na cara da família.

          E o alvo imantado, gostoso, regado a licor, todo trabalhadinho na calda de chocolate e banhado a ouro? Cadê?! Cadê o corpo da coisa reluzente que, ela sim, dormiu muito bem do seu lado à noite toda enquanto você foi só convulsão e confusão?

          É nessa hora que a protagonista, a paixão que te arrastou pros abissais mais ilusórios, olha pra tua cara  com asco e ainda ri de você.