Os dias e seus avessos
Tem dias que a vida surpreende
Pela manhã, maritacas passam em bando, bem rentes à minha janela. A cena é tão contagiante que eu nem preciso vê-las para imaginar a folia, as mil cores e a alegria carnavalesca de cada uma delas. Elas me emprestam suas asas e eu voo... simplesmente.
Noutros dias
As maritacas não passam de umas fofoqueiras: zombam da minha gata presa no nono andar, debocham de mim que não posso voar e eu fecho a cortina e a janela pra não ver nada passar.
À tarde, namoro o ipê do meu condomínio. É um grande amigo confidente com quem troco umas ideias e coisas engasgadas do coração. Quando desço, parece dobrar o pescoço para ver o meu desfile sobre as flores que ele atira na calçada. É parte afetiva da paisagem. Condição obrigatória da beleza local, a ponto de eu não saber o que seria da minha janela sem ele.
Mais tarde vem a lua. Envolvida em névoa simbolista, se ajusta na janela como se fosse uma tela. Em torno de si, três colares multicoloridos, impregnados de um halo indescritível, me arrastam pra junto dela. A lua me desespera porque me transborda, mas não sei traduzir em palavras nada sobre ela, só sinto minhas asas alcançando voo... É uma espécie de magia que poderia me fazer ouvir música - mesmo que eu fosse surda - e boiar... boiar... girar com as estrelas.
Mas, sempre tem um dia pior. E dependendo do meu relógio emocional, a lua chega com cara de porta-retrato. Na foto, uma esfinge que finge nem saber que é o centro do universo de alguém. Seu movimento rotativo é anti-horário. Ainda gira em busca de uma noite repassada de onde não se extrai mais nada; e o translativo segue em busca de estações alheias levando de brinde o meu ipê.
Nessa hora, nem ipê nem lua nem maritacas. Todas as cortinas do mundo se fecham e um vácuo se estabelece. Em vez de halo, um calo nas cordas vocais me rouba a música e eu acordo com vontade de varrer o mar pra fora do planeta.
Cristina Ribeiro R
Enviado por Cristina Ribeiro R em 24/02/2025
Alterado em 24/02/2025