Se meu amor quisesse me beijar agora, eu teria um problema matemático e uma solução bíblica. É que o dentista fez dodói nas laterais da minha arcada dentária, restringindo 90% dos movimentos do lado direito e esquerdo da minha boca. Nem eu mesma tenho noção das sérias implicações nas rotações da minha pobre linguinha. E só porque, tecnicamente, não posso beijar agora, eu não paro de pensar nisso.

          A boa notícia é que, no meio, ficou preservado um caminho de Moisés,  quem diria, favorável ao materialismo sensorial - e, por que não, sensualista? Nele, posso atravessar um mar de prazeres, como atolar a língua em um sorvete, sentir a textura cremosa de uma sopa de queijo e até provar o sabor de outra língua - mas aquela esponjosa que yo quiero mucho, esbanjando burbujas de amor pelo céu da boca. Há uma pá de anos, pus em minha lista de desejos um plano de voo nesse palato cheio de estrelas e espero não sair do círculo sem pôr esse projeto em prática.

          Entretanto... há controvérsias quanto à credibilidade dessa via aparentemente ilesa do meio. Pode ser que não seja de Moisés, mas uma  pegadinha traiçoeira. Só tem um jeito de comprovar a verdade ou a arapuca: é pondo em prática o plano de voo no céu das nossas bocas. Se eu urrar, está desfeita a farça de Moisés.

          Será que ele topa?

          Por um beijo dele agora, eu assinaria um termo de responsabilidade sobre qualquer dano, assumindo totalmente a culpa por todas as pontadas profundas nas laterais da minha arcada dentária. De qualquer modo, é claro que eu verei estrelas quando nossos lábios se encontrarem e produzirem o tão esperado movimento molhadinho e bicudo que eu não posso mais ficar adiando. Nada pode ser pior do que a dor de ouvir a música do tempo passando e não poder dançar bem coladinha com meu amado, misturando as espumas voluptuosas de nossas bocas mudas, sonoras e uivantes sob todas as luzes que ainda nos restam nessa vida.