A dicotomia Deus/demônio
Desconfio que estamos vivendo a síntese de quase toda a história da humanidade. Mas não é só de Renascimento X Barbárie que vive o mundo. Suponho que a Idade Média ainda cambaleia entre nós. Há um teocentrismo resistente que, apesar dos requintes tecnocientíficos atuais, permanece tanto inabalável quanto inquestionável - dos púlpitos e altares para os lares do mundo.
Tudo o que não poderia acontecer, já aconteceu neste planeta. E segundo quase todos os planetários, foi porque Deus quis. Ou seja: muito mais que a metade da humanidade, graças aos seus mentores, acredita que o pombo voa porque Deus quer e que, se um bebezinho morreu ainda na barriga da mãe por bala perdida, no Complexo do Alemão, ou por uma bomba, em Gaza, foi com a permissividade do Senhor, do Alá e não sei de quem mais lá nem onde. Pensar é um direito de todos. E eu conto muito com isto, caso alguém queira me julgar por este texto e seus achismos sobre um tema tão sério. Apesar de não ser uma teórica, não pretendo me excluir de pensar o meu tempo e produzir algum conteúdo, embora tímido, sem maiores pretensões. É também o meu direito.
Sei o quanto é difícil aceitar que existem sintomas medievais nesta altura do tempo. Mas como pensar de outra maneira em um mundo onde a maior parte das pessoas ainda atribui a Deus e ao diabo os fenômenos e as tragédias, rejeitando todo e qualquer argumento sobre o que se manifesta? Olhar para o hediondo com condescendência, achando que compete apenas a um ser superior divino resolver ou revolver um problema, é algo extremamente nocivo para todos nós. E lembrando que, seja lá qual for a teoria da criação, não foi à toa que recebemos pernas, braços e cabeça. Isto aí tem muito a ver com fazer e raciocinar, não é, não?
Para ilustrar, quero lembrar de um acontecimento, há algum tempo, em uma reunião de trabalho, em que uma mulher, do nada, passou a ter um comportamento totalmente estranho. Mudou o tom de voz, a pronúncia; seus músculos ficaram rígidos e o corpo trêmulo. Algo extraordinário ocorreu com a criatura que acabou estirada no chão, emitindo sons aterradores. Viram que não se tratava de epilepsia ou coisa semelhante. Felizmente, ao contrário dos tempos da inquisição, ninguém ateou fogo nela, mas algumas mulheres choraram, outras fugiram e todas disseram que aquilo era coisa do demônio. E ela ficou lá no chão até o ser das trevas resolver libertar seu corpo. Eis aí o ponto contrastante com a realidade científica avançada de um admirável mundo novo, marcado por revoluções culturais, industriais e também por uma infinidade de saberes atuais em que nos encontramos. E essas pessoas não estão abertas para nenhuma outra ideia, argumento, opinião. Elas acreditam nos "homens de Deus" e até renegam as teorias daqueles que dedicaram uma vida inteira aos estudos com embasamento em toda a história do conhecimento publicada ou detectada nas marcas deixadas por algo ou alguém pelo mundo. Estes estão fora da ordem catequética ou evangélica. Alguém até me disse: na Bíblia não tem isto.
Embora não negue uma interferência astral de um Princípio Inteligente na vida, penso que o hediondo não é da responsabilidade divina. Compete a nós discuti-lo, combatê-lo com o apoio dos especialistas. Nós somos os artífices da nossa História. Só nós pensamos, sentimos, construímos. Coisas não conjugam verbos - nem demônios!
A evolução humana dessa fase, que ainda vivenciamos, depende do conhecimento e esclarecimento de fatos misteriosos atribuídos ao além. O que equivale a dizer que há uma necessidade de desenvolver teses sobre tais assuntos para estremecer essa ideia mitológica de demônio. Mas se nas cúpulas do saber não houver a condição e o interesse de desenvolver tal estudo com apoio de todo um complexo mecanismo que o extraordinário exige, fica difícil nos livrarmos dessa dicotomia Deus/demônio que prevalece até hoje.
No entanto, se os diversos grupos da sociedade, que afirmam ser da responsabilidade de Deus os atos dos malfeitores na Terra, não aceitam discutir fatos misteriosos com argumentos plausíveis, corremos um grande perigo, já que o reflexo dessa postura termina por incidir em suas vivências, como ir às urnas, por exemplo, ou bater o martelo, sentenciando, condenando os que não seguem suas cartilhas.
A necessidade de esclarecimento e a desvinculação de seres etéreos dos fenômenos e do terror são urgentes. Com o decorrer de um avanço tecnológico estrondoso, já sendo anunciado, temo que estas criaturas extremistas e radicais lancem mão do que for mais avançado para disseminar o que há de mais atrasado no mundo. A presença de forças reativas entre nós não combina com as asas homéricas e lindas da ciência, da tecnologia e de um tempo iluminado que deve ser regido pela razão e o conhecimento.
Cristina Ribeiro R
Enviado por Cristina Ribeiro R em 30/03/2025
Alterado em 31/03/2025