SOS Medusa
Você sabe o que eu fiz no mês passado? Não sabe. E com um romance que eu peguei emprestado?
Devolvi para a estante.
Eu não moro, me afogo num Rio poluído e sou arrastada entre motos, caminhões enferrujados e trocentas combes do moço do ferro-velho, da pamonha; e as combes de sempre que vão chamando o povo, aos berros, pela rua afora. Ainda tem as baladas e os pagodes por todos os lados, que me transformam em ilha, e muitos tiros que me deixam uma pilha. Apartamento no Rio é um problema. Tem que ser à prova d'água, de bala e de som. Tem que ser à prova de vizinho. Pra quem não gosta de ler - coisa comum por aqui -, meno male, né? Eu sei...
Gosto muito do meu fofá. É nele que eu pego o meu expresso pra longe. Mas tá cada vez mais difícil sentar na ponta de um arco-íris e partir pro lado de lá das estrelas. Mal pego um livro e... "Pamonha! Olha que eu tenho pamonha!".
Nem sei como transcrever o resultado da leitura que fiz de um poema neste final de abril. Eu queria ir pra Pasárgada. Justo no primeiro verso, passou uma combe querendo me levar pro Norte Shopping. É claro que eu fiquei contrariada e triste. Tenho o hábito de ler Manuel Bandeira para alcançar outras margens do Rio e de todas as correntezas e tempestades possíveis. Bandeira me eleva a patamares mágicos e lúdicos, mas não há magia que suporte a interferência grotesca da realidade.
E foi isso mesmo que acabou acontecendo. Mergulhada nos abissais do meu êxtase, deslizando em versos lacrimosos, na maciez do Conforto-Bandeira, eu lia:
"...E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar..."
Do nada, passou o carro da Universal, me convidando para tomar um banho de luz com o pai das almas.
Pelamor de Zeus, né? Será que não se pode ler em paz nesta cidade?
Vou espalhar a cara da Medusa em todos os postes do meu bairro, pra ver se essa gente toda se transforma em estátua, enquanto eu leio.
Aff...!
Cristina Ribeiro R
Enviado por Cristina Ribeiro R em 02/05/2025
Alterado em 03/05/2025