Os administradores da paixão alheia
Na música "Pétala", Djavan diz que "o amor não cabe em si" e "por ser encantado, revela-se". É uma verdade tanto poética quanto linda e impregnada de sentido. Quisera esses versos fossem ilusórios, produtos de pura djavanização simplesmente. Que nada! Basta um tiquito de amor escorrer dos olhos para aguçar interesses de toda natureza nos urubuservadores.
Os administradores da paixão alheia estão sempre a postos. Entram na barca do inferno com seus binóculos e martelos sentenciadores para invadir amares e amores e tudo mais que reluzir. Eles precisam observar de perto as marolas, maremotos e a força dos divinos ventos em torno; precisam torcer para que o universo desfavoreça um coração que pode ser muito mais útil ao mundo em estado de alerta e vazio ou que seja tão infeliz quanto o deles.
Amar e mar têm lá seus laços. Ambos correm em contextos ambíguos sujeitos a sereias, hidras e tsunâmis. Mas ao contrário da Odisseia, não tem mastro nenhum nem Zeus nem Deus nem Poseidon. A força da correnteza se encarrega do amante até que ele termine estraçalhado na boca de um doce monstrinho que sempre tem uma cara inofensiva - esse anjinho que chamam de amor.
Um dia, me apaixonei por quem não deveria. Logo que revelado em minha cara de paisagem o "vacilo", começou a gerência. Falaram de "rolo", instituição... Queriam mostrar a mim o modo certo de amar, qual é a matemática do tal sentimento, a equação, o escambal.
Mas quando me apaixonei, nem eu sabia da ocorrência. O amor me invadiu primeiro. Saí de onde estava e fui para casa inocente, acreditando que tudo estava na mais perfeita ordem. Foi involuntário. Não tinha acesso a nenhuma tecla do bem ou do mal nem de bloqueadores de transgressões anímicas. O amor soprou sua purpurina no meu peito sem negociação.
Mas os tripulantes da barca do inferno são implacáveis mesmo. O brilho revelado em meu nado sincronizado com o êxtase de amar os deixaram curiosos, agitados, loucos.
Adiantou?
Sim. Deu para perceber que a natureza humana permanece a mesma.
Tenho muita pena do tempo. Cansado de passar por milênios, soprando possibilidades de mudança, espalhando oxigênio... parece que o mundo não entendeu a lição até o dia de hoje. As pessoas estacionaram num cais, como que fossilizadas, presas no concreto de suas mentes viciadas, e não saem deste maldito lugar nem que Jesus os implore pessoalmente.
Cristina Ribeiro R
Enviado por Cristina Ribeiro R em 12/05/2025
Alterado em 16/05/2025